Na grande tragédia brasileira contemporânea há um componente que me parece particularmente terrível para o campo progressista. Há anos a maior parte dos autorreferidos líderes “progressistas” pararam de pensar sobre o progresso e o futuro que queremos para o País, e se calam sobre as causas estruturais de nossa desgraça coletiva.
A luta política numa democracia tem duas metas principais. A primeira é chegar ao poder através do voto. A segunda, fazer suas ideias chegarem ao poder através do debate público e da criação de novos consensos. Não sejamos hipócritas em negar que muitas vezes a primeira meta obriga limites momentâneos à segunda. Ou seja, para vencer eleições, chegar ao poder e fazer o principal, muitas vezes se precisa adiar o debate sobre ideias secundárias na ordem de prioridade daquele momento. Gerar um novo consenso significa não só criar novas maiorias em torno de uma ideia, mas para isso adiar a luta pela implantação de outras.
O problema acontece quando se abre mão do debate de ideias e propostas não em nome de outras ideias e propostas, mas do poder pelo poder. Quando numa eleição não se debate o futuro do País, os problemas, o projeto, não há educação política, não se mudam as ideias predominantes na sociedade.
Para o campo autorreferido “progressista” ou “de esquerda”, isso é fatal, porque as ideias econômicas predominantes atualmente na sociedade e nos órgãos de mídia não são as nossas. Ao desertar do debate, o campo progressista entrega a hegemonia ideológica para as forças do capital financeiro nacional e internacional. E se chega ao poder, chega por uma personalidade, sem ideias, para executar o consenso criado por essas forças.
É por isso, e não somente por falta de vontade política, que 13 anos de PT no poder não resultaram em nenhuma herança progressista ou desenvolvimentista. Basta para isso avaliar as principais políticas públicas implantadas pelo partido quando esteve no poder. Ao invés de implantar um novo padrão pedagógico voltado para a economia do conhecimento, deu crédito para endividar estudantes pobres e enriquecer universidades privadas. Ao invés de implantar uma carreira pública de médicos e um planejamento nacional para a formação e residências, buscou o impacto eleitoral trazendo médicos de Cuba.
Ao invés de transformar a nossa segurança pública num sistema baseado em informação, executou uma política de encarceramento em massa, que não resolve o problema e cria outros. Ao invés de implantar uma política industrial com incentivos, metas e punições, segurou artificialmente o câmbio para ganhar eleições à custa da desindustrialização. Ao invés de mudar o sistema tributário mais regressivo do mundo (que cobra mais proporcionalmente dos pobres), fez acordo com os donos do capital para manter o paraíso terrestre tributário dos ricos.
Ao invés de fazer a aposta na ciência e tecnologia nacionais, manteve a mais entreguista legislação de propriedade intelectual do mundo civilizado. Ao invés de promover o bom emprego, com bom salário numa ocupação que agregue alto valor a um produto, gerou empregos de salário mínimo e aplacou a fome com bolsas compensatórias que nem sequer se tornaram constitucionais.
Por que isso foi assim? Porque no processo eleitoral e no dia a dia da gestão do governo não houve educação de massas. Nas eleições, não se debateram propostas. Quem chega assim no poder não elege ideias, elege a si próprio. Mas sem poder para fazer nada que não seja aceito pelos limites do consenso dominante.
Ciro Gomes