Em mais de 30 anos de jornalismo político, registrei dias de glória democrática e dias de vergonha política na cobertura do Congresso. O 5 de outubro de 1988, em que a Constituição (hoje desfigurada) foi promulgada e o 25 de abril de 1984, em que a emenda das diretas foi rejeitada, por exemplo. Este 2 de agosto parece destinado a ser um dia da vergonha. Será vergonhoso para o Brasil se deputados cevados por favores e prendas de Temer conseguirem impedir que ele seja investigado por corrupção passiva, pois eles sabem muito bem o que fazem. Sabem de tudo o que aconteceu: do que Temer combinou com Joesley Batista, do contrato benevolente assinado entre uma subsidiária energética da JBS e a Petrobrás dias depois, da mala de dinheiro entregue ao preposto Rocha Loures horas depois. Os que estão dispostos a honrar seus mandatos votando a favor da abertura das investigações, em sintonia com 93% da população (pesquisa Vox Populi) são minoria e podem, no máximo, impedir que a votação ocorra hoje, negando presença no plenário para a formação do quórum de 342 deputados.
Para não ficar na História coberto de vergonha, qualquer presidente honesto acusado de corrupção faria questão de ser investigado. Mas Temer, o primeiro na história do presidencialismo brasileiro a sofrer tal acusação no cargo, preferiu comprar votos descaradamente para não ser investigado. Seguro de sua inocência, devia preferir o processo conduzido pelo STF, ao final do qual seria inocentado e retornaria glorioso ao cargo do qual foi afastado.
O rito da votação estabelecido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também é vergonhoso. Falarão por 25 minutos o autor do parecer vitorioso na Comissão de Constituição e Justiça, favorável ao arquivamento da denúncia, Paulo Abi-Ackel, e o advogado de Temer. Depois falarão, por 3 minutos cada, dois governistas e dois defensores da concessão da licença para o processo. Ou seja, 56 minutos para os defensores de Temer e seis minutos para os adversários. É isso que os parlamentares costumam chamar de rolo compressor, um eufemismo para ditadura da maioria.
A noite deve ter sido de transações tenebrosas, com o governo dobrando as ofertas para convencer deputados “indecisos” a estarem presentes na hora da votação, ainda que não votem, ou ainda que votem com a oposição. Já não importava ontem dar uma demonstração de força, com a rejeição da denúncia por cerca de 300 votos, num sinal para o mercado de que Temer terá condições de seguir em frente, reaprumando seu combalido governo e retomando as contrarreformas. Precisando de apenas 172 votos, para evitar que os defensores da investigação consigam os 342 necessários, o governo já se contentava ontem apenas com a barragem da denúncia por um número minguado de votos.
Temer, que finge viver no mundo da lua, ontem falou que o desafio do quórum é da oposição e projetou uma “segunda fase” de seu mandato depois que for vergonhosamente vitorioso hoje. Mas ele e seu entorno sabem que vem por aí é uma segunda denúncia, que terão de enfrentar com a munição esgotada. Os compromissos foram firmados apenas em relação a esta primeira acusação, de corrupção passiva. Nem todos estarão dispostos a um segundo desgaste, tendo pouco ou nada mais a ganhar.
E há também outra razão para o desespero. Neste primeiro round, Rodrigo Maia (DEM) optou pelo papel de aliado leal, fixando o rito favorável ao governo e conduzindo a sessão com empenho explícito. Mas sobrevindo uma segunda denúncia, o cavalo estará passando outra vez selado em sua frente, e ele poderá decidir-se a montá-lo. E aí poderá oferecer aos deputados a preservação dos cargos que já têm no governo, mais aqueles que serão desocupados com a saída da turma de Temer (PMDB) do governo. Foi assim que Cunha e Temer conseguiram desmontar a maioria de Dilma e aprovar o impeachment na Câmara, oferecendo-lhes o que já tinham ganhado dela e mais o que ganhariam com o enxotamento dos petistas do governo.
Mas para isso, é claro, o procurador-geral Rodrigo Janot precisa desmentir os boatos espalhados por governistas, de que ele tem razões para não apresentar a segunda denúncia contra Temer.
Tereza Cruvinel