Nos últimos quatro anos, Jair Bolsonaro (PSL-RJ) destinou como deputado federal só 0,3% do valor de suas emendas parlamentares ao Orçamento da União para a segurança pública, um dos temas mais frequentes no seu discurso de campanha.
“Segurança, saúde e educação são nossas prioridades. Tolerância zero com o crime, com a corrupção e com os privilégios”, afirma o programa de governo do presidenciável registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação no Ministério do Planejamento revelam que, de janeiro de 2015 a agosto de 2018, Bolsonaro autorizou 103 emendas, no total de R$ 61 milhões. Desse montante, apenas R$ 200 mil foram destinados à segurança pública, uma ajuda para a Guarda Municipal da Prefeitura de Resende (RJ). Autorizado em 2018, o recurso não havia sido empenhado nem pago até agosto.
Pela lei, Bolsonaro poderia ter destinado emendas a órgãos dedicados ao combate ao narcotráfico internacional, ao contrabando de armas que alimenta o crime nas grandes cidades, à corrupção e à fiscalização da fronteira, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional.
O Departamento do Sistema Penitenciário, que também não recebeu nenhuma emenda de Bolsonaro, é responsável por cinco presídios de segurança máxima onde estão alguns dos principais chefes das facções criminosas.
O município de Resende, único a receber emenda de Bolsonaro para segurança, é um reduto eleitoral do deputado. Lá reside Ana Cristina Valle, ex-mulher dele e que trabalhava até o começo da campanha na Câmara Municipal.
O comandante da Guarda Municipal de Resende, César Ricardo Aureliano Laurindo, disse que a emenda de R$ 200 mil deverá ser utilizada, quando liberada, para a compra de coletes à prova de bala e algo entre 10 e 20 pistolas automáticas. Hoje a Guarda, com 174 integrantes, conta apenas com revólveres calibre 38 e não tem coletes.
Laurindo não soube dizer ao certo por que Bolsonaro destinou a emenda a Resende.
O projeto com os recursos, segundo o comandante, é reforçar o policiamento nos bairros que registram crimes com menor potencial ofensivo, como pequenos furtos, e liberar as patrulhas da Polícia Militar para regiões da cidade onde há maior atividade de quadrilhas de narcotráfico e facções criminosas.
Metade dos R$ 61 milhões das emendas autorizadas por Bolsonaro ainda não foi empenhada —o empenho é o ato administrativo que indica uma obrigação de pagamento. Apenas R$ 11 milhões foram pagos até o momento.
O deputado dividiu os recursos, no período 2015-2018, em cinco áreas: Justiça (R$ 200 mil), Ministério Público da União (R$ 300 mil), Ciência e Tecnologia (R$ 300 mil), Defesa (R$ 30 milhões) e Saúde (R$ 30,8 milhões).
Do total destinado à Defesa, mais da metade, ou R$ 16,5 milhões, são emendas para estabelecimentos de saúde que atendem militares das Forças Armadas, como R$ 300 mil para o hospital escolar da Aman, também em Resende, ou R$ 1,3 milhão para o Hospital Central do Exército, no Rio.
A maior parte dos gastos autorizados ao Ministério da Saúde foi para “fortalecimento do SUS”. Várias emendas também têm conexão com as Forças Armadas. Por exemplo, R$ 2 milhões para “atenção à saúde das populações residentes em áreas remotas da região amazônica, mediante cooperação com o Exército”.
O deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), coordenador político de Bolsonaro, afirmou à Folha que “um problema específico das emendas de segurança pública” é que os recursos “passam pelas mãos de governadores”, em referência ao eventual apoio às polícias nos estados. Para o deputado, o baixo número de emendas de Bolsonaro à segurança “não significa nada”.
“Se ele tinha qualquer suspeita ou não confiava no [governador] Sérgio Cabral, por exemplo, como ele vai botar dinheiro lá no Rio de Janeiro?”
Questionado sobre Bolsonaro não ter apoiado órgãos federais de segurança, Lorenzoni diz que os parlamentares “têm dificuldade de fazer o direcionamento” dentro do governo para área específica.
A Folha solicitou ao Ministério do Planejamento um levantamento sobre as emendas de Bolsonaro anteriores a 2015, mas o órgão explicou que o sistema funcionava de outra maneira até aquele ano.
Procurada desde 31 de agosto, a assessoria de Bolsonaro não respondeu à reportagem.