Num projeto ambicioso, o governo brasileiro quer transformar milhões de hectares de pastagem em áreas de produção agrícola. Mas, para isso, negocia a participação da China no financiamento de um plano que pode mudar a paisagem rural do país e aumentar a produtividade, sem a necessidade de qualquer desmatamento.
Apesar do cancelamento da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a China por causa de uma pneumonia, técnicos do Ministério da Agricultura continuaram as reuniões e visitas às entidades e órgãos chineses. A viagem tinha como objetivo reposicionar Pequim na economia nacional, com a assinatura de mais de 20 acordos. Todos eles serão adiados até a confirmação de uma nova data para a visita de Lula.
O Brasil é o principal fornecimento de alimentos para a China, e o país asiático é o principal destino das exportações brasileiras do agronegócio.
Agora, o governo brasileiro quer que os chineses participem também da conversão de terras no país, inclusive para aumentar a produtividade e assegurar o abastecimento.
Pelos cálculos do Ministério da Agricultura, custará US$ 3 mil (R$ 15,7 mil) por hectare para realizar a conversão de pastagem para cultivo. No caso brasileiro, existem pelo menos 40 milhões de hectares que poderiam ser transformados, o que implica que tal projeto exigiria mais de US$ 100 bilhões (R$ 525 bilhões).
Financiamento chinês, em troca de abastecimento
Um dos caminhos buscados pelo Brasil é a participação da COFCO, a maior empresa de alimentos e agricultura da China. Apenas em 2021, a estatal lidou com 130 milhões de toneladas de commodities, movimentando US$ 42 bilhões (R$ 220 bilhões). Nos últimos anos, a empresa se expandiu pelo mundo, justamente na busca de garantias de abastecimento para o rápido crescimento chinês.
A ideia do governo Lula, agora, é de que os chineses financiem a conversão de terras no Brasil e que, ao longo dos anos, os próprios produtores façam o pagamento desses créditos em forma de soja, milho ou qualquer outro produto.
Uma segunda opção seria a ajuda dos chineses para financiar o BNDES. O banco brasileiro, nesse caso, facilitaria o crédito aos produtores nacionais que optarem pela mudança.
Fontes do governo indicaram que a COFCO sinalizou interesse e que iria designar uma pessoa no Brasil para iniciar conversas.
O governo ainda encomendou um estudo na Embrapa para avaliar qual é realmente a dimensão das terras de pastagens desgastadas que poderiam ainda ser convertidas. Algumas estimativas apontam que a área seria duas vezes maior do que se conhece hoje.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, explicou aos interlocutores chineses que o governo brasileiro estimulará a conversão de 40 milhões de pastagens degradadas em áreas cultiváveis, o que permitiria praticamente dobrar a área destinada à produção agrícola sem desmatamento e com sustentabilidade.
Uma das mensagens foi passada em um evento realizado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) em parceira com o Institute of Finance and Sustainability (IFS), o Climate Bonds Initiative (CBI) e o Global Environment Institute (GEI).
“Este é um programa que será incentivado pelo governo com linhas de crédito atrativas, para que o produtor, em vez de pensar em novos desmatamentos, capte recursos para converter pastagens, com uso de calcário, fertilizantes e matéria orgânica”, disse o ministro a representantes de instituições financeiras e fundos de investimentos chineses.
Durante o evento, o Assessor Especial do Ministro da Agricultura, Carlos Augustin, pediu aos chineses a concederem financiamento de longo prazo para a conversão de pastagens no Brasil. Em sua avaliação, isso seria de interesse dos próprios chineses, já que contribuiria também para o aumento da segurança alimentar do país que precisa alimentar 1,4 bilhão de pessoas.
“Podemos dobrar a produção agrícola”, afirmou Fávaro em um evento nesta segunda-feira em Pequim. Segundo ele, segmentos dos produtores apostam mais no desmatamento para conseguir ampliar a produção. Mas a lógica pode mudar com o financiamento garantido pelo BNDES.
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