A eleição presidencial deste ano é a mais imprevisível desde a de 1989, motivo de no “mercado” circularem várias pesquisas paralelas, encomendadas por endinheirados que tentam enxergar o futuro de todo o jeito, a fim de enriquecer mais.
Em breve, por exemplo, o instituto Ipsos fará enquetes diárias para que o Eurasia Group, uma consultoria política global, prepare análises para dez grandes clientes brasileiros, algo inédito na trajetória da consultoria por aqui.
Após a última pesquisa vir a público, na segunda-feira 14, a Eurasia disparou um relatório em inglês a observar: “Ainda é cedo, mas é interessante notar que o único candidato que cresceu em comparação a março foi Ciro Gomes. Suas intenções de voto cresceram 1 ponto, e sua rejeição diminuiu um pouco”.
Aos 60 anos, o presidenciável do PDT tem mais chances de vitória agora do que nas duas tentativas anteriores. Não que seus índices entusiasmem. No novo levantamento, feito de 9 a 12 de maio pela MDA para a Confederação Nacional do Transporte, ele aparece com 5,4%. Em abril, tinha 5% no Datafolha e, apenas em São Paulo, 4% no Ibope.
Números até piores do que a votação obtida em 1998 (7% do total de eleitores) e 2002 (9%). Mas o potencial de Ciro hoje é maior. Há 20 anos, a disputa encontrava um sentimento continuísta na população, devido ao Plano Real, daí a reeleição de FHC. Em 2002, o contrário. O povo queria mudança, insatisfeito com a vida, e aí o símbolo oposicionista era o PT.
Em 2018, o desencanto dá o tom de novo, graças ao desastre do governo Michel Temer, mas o líder do petismo está na cadeia, sua candidatura é incerta. Sem Lula, só Ciro cresce nas pesquisas, chega a 9% no Datafolha e na MDA.
Sem competidores que tenham caído no gosto popular e com muita gente no páreo, é possível que um candidato chegue ao duelo final com uma votação modesta. “Nos nossos cálculos, quem tiver de 17% a 20% vai para o segundo turno”, diz o deputado cearense André Figueiredo, líder do PDT na Câmara.
É outra semelhança com 1989. Fernando Collor foi ao round decisivo com 25% do total de eleitores e Lula, com 14%. Quer mais uma? Temer é o neo-José Sarney, o presidente de quem todos fogem. Quer outra? Ciro repete Leonel Brizola, fundador do PDT, graças à relação com Lula e o PT.
Ciro não perdoa os petistas por não o apoiarem, igual Brizola na primeira eleição pós-ditadura. Um dos principais líderes políticos derrotados pelo golpe de 1964, Brizola achava que, após o regime militar, a primazia no campo popular era dele. Com o PT abalado pela Operação Lava Jato, Ciro também crê que é a hora dele na raia progressista. A diferença é o argumento usado para desopilar o fígado.
Morto em 2004, o ex-governador gaúcho dizia que Lula e o PT não eram de esquerda, eram o adversário do sonho da direita. Em um debate na tevê entre os candidatos há 29 anos, comentou que a crítica de Lula ao getulismo, berço de Brizola, “me distancia léguas desse cidadão e me faz desconfiar muito dele e do PT como partido de natureza social”. E arrematou: “Ou o PT substitui esse candidato hoje ou amanhã, ou ele vai perder a credibilidade nacional”. O texto campeão de leitura hoje no site do PDT intitula-se “Brizola tinha razão sobre o PT”, de 23 de janeiro de 2017.
O ex-governador do Ceará prefere ligar Lula ao MDB, ao pregar que o petista fique fora da eleição. Foi assim em julho de 2017, em Goiânia. “Se o Lula entrar, ele destrói completamente o ambiente de discussão do futuro do País, vai ser uma eleição marcada pelo ódio”, faltará “autocrítica de quem botou o Michel Temer na linha de sucessão (de Dilma Rousseff), de quem empoderou o Eduardo Cunha para ser o presidente da Câmara, tudo isso foi o seu Lula.”
A recente coleção de declarações de Ciro contra o ex-presidente é de espantar petista. Em setembro, após um evento no Rio, Ciro comentou: “Não é possível insultar a inteligência do povo brasileiro” ao falar de perseguição política contra Lula. No mês seguinte, no SBT: “Eu acho que o Lula, que é o maior líder popular que o Brasil moderno produziu, tem cometido erros gravíssimos, porque faltam a ele petistas que digam a ele para não fazer tanta bobagem, para não brincar de Deus”. Em fevereiro, ao ir à Folha, disse que a condenação de Lula não era “arbitrária”, que ele “não é um mito”.
Declarações que levam um integrante do comitê da pré-campanha petista a comentar que “o Ciro parece ter feito o cálculo de que estar perto do Lula tira mais do que dá voto”.
O prisioneiro está magoado com seu ex-ministro. Conversa sempre com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e abre o coração. Ciro reagiu publicamente, dizendo ter “pena” da senadora, ao saber de um comentário feito por ela, a portas fechadas, de que o pedetista “não passa nem com reza brava” no PT, ou seja, não teria o apoio petista no primeiro turno. Talvez Ciro não saiba, mas quem fechou a porteira foi Lula, ressentido.
Em março, o governador da Bahia, Rui Costa, do PT, defendeu que o partido não precisava ter candidato, poderia indicar o vice de Ciro. Seu aliado baiano Jaques Wagner disse o mesmo em Curitiba, em 1º de maio. Dois dias depois, Wagner entrou na cela de Lula e foi enquadrado. Nada de azedar a relação com Ciro, disse Lula, nem de se entregar a ele. Só quem insiste publicamente no apoio ao pedetista é Camilo Santana, governador do Ceará.
Soldado antigo da família Gomes no Ceará, o deputado Leônidas Cristino, do PDT, está animado quanto às chances de Ciro. Enquanto no petismo há quem veja o presidenciável como autoritário, Cristino aponta nele a personalidade necessária hoje no País. “Ele é um líder, o Brasil precisa de um líder, até para não ser engolido por este Congresso.”
O Parlamento tende a seguir, em 2019, muito parecido com o atual, patronal e corrupto. Uma salva de palmas à Lava Jato, que na guerra contra o sistema político levou-o a aprovar regras facilitadoras da reeleição dos parlamentares.
O tempo de campanha caiu à metade, para 45 dias, pior para os desconhecidos. A grana do fundo eleitoral público, novidade em 2018, será rateada entre os partidos de acordo com as bancadas atuais (98% serão divididos assim) e, dentro de cada sigla, conforme a ordem das direções.
Ciro é também, segundo Cristino, mais experiente, preparado e conhecedor do Brasil do que os rivais vistos hoje como os principais, Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), traços que serão explorados na campanha.
No PDT, há uma análise crua do trio a reforçar otimismos. Bolsonaro é deputado desde 1991 e nunca disputou nada, falta-lhe consistência. A propaganda dele na tevê será, provavelmente, de míseros segundos, pois o PSL é nanico. Idem para a de Marina, tachada de meio monotemática, a causa ambiental. Alckmin teria um rosto demasiado paulista, e São Paulo não é o Brasil, embora pense que é. O que não impede Cristino de prognosticar um segundo turno contra o tucano. “O próximo presidente será de Pindamonhangaba”, terra natal de Ciro e Alckmin.
Mas Alckmin sobrevive até a eleição? Na nova pesquisa, foi o único a dar marcha à ré para além da margem de erro. Tinha 6,4% em março, agora tem 4%. Sua rejeição subiu de 50% para 55%, inferior apenas à de Marina (56%) e à de Temer (87%). É o resultado da ligação do PSDB com Temer, o impopular, e da vidraça ética de Alckmin, investigado pelo Ministério Público em São Paulo com base na delação da Odebrecht.
Um quadro a confirmar uma previsão de agosto do Eurasia Group. Alckmin seria a “Hillary do Brasil”, o establishment destinado à derrota, como a sra. Clinton perdeu para Donald Trump, comparação a aborrecer o tucano até hoje.
Antes da pesquisa, Alckmin ouvira de um deputado: “Você ganha a eleição se no primeiro debate na Globo o sorteio der que a primeira pergunta será do Bolsonaro para o Ciro”, esperança de que a dupla de esquentados quebrasse o pau, enquanto Alckmin posaria de sensato. Agora o PSDB se desespera. Um plano B com João Doria Jr. não pode ser descartado, para alegria de Temer.
Henrique Meirelles, menos de 1% nas pesquisas, foi lançado pré-candidato pelo MDB e aceita até pagar a campanha do próprio rico bolso, mas Temer, que voltou a festejar a chegada ao poder como se um impeachment não fosse um trauma, torce por Doria no páreo. O presidente tem sido incapaz de convencer Alckmin a aliar-se ao MDB. Doria, que acaba de posar para fotos numa noite black-tie em Nova York ao lado de Sergio Moro, o imparcial, topa casar.
Uma troca no PSDB ajudaria a unir um tal “centro” de que falam Temer e tucanos, humorismo ridicularizado até pelo neoliberal americanófilo Arminio Fraga. “O centro é uma gororoba que, no fundo, é conservadora de maneira muito primitiva. É o conservadorismo para manter poder e dinheiro. Não tem valor”, disse no Estadão do dia 13.
Ciro também ironiza, como dia 7 na Band. “O centro é um ponto imaginário da geometria, ele não existe. O que está se reunindo é a direita, a direita que vai carregar o caixão do Michel Temer e seu conjunto absurdo de providências antipovo, antipobre e antinacional.”
O pedetista ataca com paixão o MDB do presidente antipovo. Adora chamá-lo de “quadrilha”, promete destruí-lo, botá-lo na oposição, algo que não aconteceu desde o fim da ditadura, exceto por um hiato esquisito no abreviado governo Collor (1990-1992).
Sua artilharia poupa uns poucos emedebistas, caso do senador Roberto Requião, do Paraná. Que, aliás, acaba de mandar um e-mail a 30 mil delegados do partido com a proposta de ser candidato a presidente, uma jogada destinada a matar o sonho de Meirelles, afastar o MDB de Alckmin e, quem sabe, obter uma aproximação com o PT, de quem Requião toparia ser vice.
Quem não enfrenta o MDB, teoriza Ciro, vira seu “testa de ferro”, é destruído por ele. O pedetista diz e repete que foi ministro dos dois únicos governos que resistiram à chantagem emedebista, o de Itamar Franco (1992-1994) e o primeiro de Lula (2003-2006). Nesse último, sempre lembra da crise do “mensalão”, entre 2005 e 2006, quando fazia parte do núcleo duro de Lula e pregava que a salvação viria das ruas, não do MDB.
Uma graúda testemunha petista daquele momento dramático simpatiza com a ideia de uma vitória de Ciro. Acha que ele seria um bom presidente e faria um governo parecido com o de Lula, não há barreira para o PT apoiá-lo em um segundo turno contra um direitista. Por ora, contudo, o PT insiste na candidatura de Lula e inspira-se no peronismo.
Juan Domingo Perón estava na ilegalidade e no exílio e não podia disputar a Presidência da Argentina, em 1973. Ele então escolheu o candidato de sua corrente, alguém para ser seu porta-voz, Héctor José Cámpora, e este ganhou com o slogan “Cámpora no governo, Perón no poder”. Uma vez empossado, Cámpora anistiou Perón e renunciou. Uma nova eleição foi realizada. O vencedor? Perón, com 60% dos votos.
O PT não chega ao ponto de esperar por renúncia e nova eleição, mas o indulto a Lula está na mesa de negociação, embora o prisioneiro diga que não quer ver o tema tratado. Ciro foge do compromisso. Na terça-feira 15, estava na Suécia e disse que prometer perdão seria uma “loucura”. “Indulto é apenas para aqueles que já foram condenados em todas as instâncias.”
No mesmo dia, seis ex-líderes europeus progressistas defenderam o direito de Lula ser candidato. “A luta legítima e necessária contra a corrupção não pode justificar uma operação que questiona os princípios da democracia e o direito dos povos de eleger os seus governantes”, diz o manifesto, articulado e redigido por Françoise Hollande (França) e assinado ainda por José Luis Zapatero (Espanha), Elio Di Rupo (Bélgica) e os italianos Massimo D’Alema, Romano Prodi e Enrico Letta.
O chanceler Aloysio Nunes Ferreira teve um chilique. Em nota, chamou o gesto europeu de “preconceituoso, arrogante e anacrônico”, baita mal-estar no Itamaraty. Ferreira reagiu imediatamente, apesar de estar desde o dia 7 na Ásia, onde se reuniu, por exemplo, com autoridades do golpe militar tailandês de 2017. Já sobre a ruptura dos EUA no acordo nuclear com o Irã, silêncio de uma semana do Itamaraty, quebrado por uma nota anódina.
A propósito, Ferreira reservou para si a embaixada em Paris e a de Roma e Portugal para Temer e algum emedebista encrencado com a Justiça, um plano de fuga pós-governo contra processos judiciais.
No PDT, não há ilusão. Mesmo que não seja Lula, o PT terá candidato. A prioridade pedetista é conseguir outros apoios na seara progressista. Na quarta-feira 16, o presidente do partido, Carlos Lupi, foi cortejar o do PSB, Carlos Siqueira. No PCdoB, Ciro tem conversado com a presidenciável Manuela D’Ávila e encontra no governador do Maranhão, Flávio Dino, um defensor.
Uma eventual união das três siglas consolidaria o viés progressista da candidatura, apesar da possibilidade de o pré-candidato ter um vice empresário. Tudo somado, André Figueiredo, líder do PDT na Câmara, espera que o partido tenha melhor sorte agora do que em 1989.
Pedetista desde 1984, viu Brizola perder a vaga para Lula no turno final contra Collor por menos de 500 mil votos e depois apoiar o “Sapo Barbudo”, a quem a elite teria de engolir. Agora, quem quer ser sapo é Ciro.
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