Com 6 mil “soldados”, ascensão da facção Okaida se deu nos governos de Ricardo Coutinho, revela reportagem especial da BBC

Não é segredo pra ninguém que a sensação de violência aumentou consideravelmente de 2011 pra cá, justamente nos oito anos do governo de Ricardo Coutinho. Foram centenas de explosões a bancos, fugas cinematográficas de presídios, milhares de mortes violentas e o mais grave; a ascensão da Okaida, a facção que já conta com 6 mil “soldados”.

Foi especialmente no governo de Ricardo Coutinho que a escalada da violência fez de João Pessoa 9° cidade mais violenta do mundo e 3° capital mais violenta do Brasil, de acordo com ranking da ONG mexicana Segurança, Justiça e Paz:

A verdade é que Ricardo Coutinho sempre prometeu muito, mas fez pouco. Na campanha de 2010, Ricardo prometeu construir Centros de Referência da Juventude em todas as regiões do estado, oferecendo capacitação profissional, atividades culturais e esportivas…

Não construiu nenhum.

Também prometeu contratar 5 mil policiais imediatamente e disse que solucionaria o problema da violência em apenas seis meses. Além de não contratar, o governo de Ricardo Coutinho diminuiu o efetivo de policiais militares:

Enquanto a população da Paraíba cresceu de 2010 pra cá, saltando de 3,7 milhões para 4 milhões, o efetivo da Polícia Militar caiu de 9.793 para 8.993. Durante oito anos, a política de segurança estabelecida pelo governador Ricardo Coutinho andou na contramão do país; enquanto a população cresceu, o efetivo da PM diminuiu.

Os dados são do Tribunal de Contas do Estado, não cabendo a mínima contestação. É fato. O efetivo da PM não apenas congelou durante o Governo Ricardo, mas também foi reduzido em 800 policiais:

 

Confira a reportagem da BBC:

Composta de jovens e adolescentes, a Okaida cresceu nos últimos anos: atualmente, domina vários municípios, expandiu seus braços para Pernambuco e conta com 6 mil membros “batizados” na Paraíba, segundo investigação do Ministério Público Estadual paraibano.

Como comparação, o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior e mais poderosa facção do país, tinha pouco mais 30 mil “filiados” em 2017 – recentemente, o grupo fez uma campanha para aumentar seu “exército”.

Em outubro do ano passado, os “soldados” da Okaida deram outra demonstração pública de força: promoveram queimas de fogos de artifício para comemorar o aniversário da sigla em seis cidades da Paraíba, como João Pessoa, Campina Grande, Santa Rita e Guarabira. Vídeos da festa estão nas redes sociais e no YouTube.

Em bairros mais pobres da capital paraibana, a Okaida dita até um código de conduta para seus integrantes e moradores. As proibições são pintadas nos muros: não pode usar drogas na frente de crianças, roubar na comunidade, escutar som alto tarde da noite e andar de moto em alta velocidade.

A origem da Okaida

Em vídeo no Youtube, jovens cantam música 'Mago do Facão', que faz referência ao 'poder' da Okaida

Há histórias diferentes sobre a origem da facção. Okaida é uma forma abrasileirada do nome da rede terrorista que já foi comandada por Osama bin Laden, a Al-Qaeda. Mas a versão brasileira não tem nenhum aspecto religioso por trás.

O certo é que a quadrilha cresceu em paralelo com seu maior rival, a facção Estados Unidos, criada em meados dos anos 2000.

O conflito entre os dois grupos de criminosos já dura alguns anos nas ruas e nos presídios – e, ironicamente, emula a guerra empreendida pelos americanos contra o terrorismo.

No início dessa década, enquanto a Okaida dominava bairros de João Pessoa como a Ilha do Bispo, São José e Alto do Mateus, os membros dos Estados Unidos estavam presentes nas regiões de Mandacaru, Bola da Rede e Novais.

Os dois grupos também se diferenciam pelas tatuagens de seus integrantes, como registra uma dissertação de mestrado concluída em 2015 na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Feito pelo tenente-coronel Carlos Eduardo Santos, da Polícia Militar da Paraíba, o estudo mapeou os símbolos marcados na pele dos filiados às facções.

Quem é da Okaida costuma marcar a pele com palhaços ou com o personagem Chucky, do filme Brinquedo Assassino. Já os membros da Estados Unidos tatuam a bandeira americana ou o desenho de um peixe.

Nos últimos anos, porém, o crescimento da Okaida praticamente suplantou sua rival em número e força, ainda que a Estados Unidos continue ocupando alguns poucos bairros e pavilhões de cadeias de João Pessoa, segundo agentes de segurança.

A presença do PCC

Guarda no complexo penitenciário de Itatinga

A relação entre as duas facções locais tem forte influência de um elemento “forasteiro”: o PCC. Até 2010, a Okaida era mais próxima do grupo paulista, que fornecia parte da droga vendida nas ruas. Mas um assassinato, que teria sido cometido a mando do PCC sem o aval dos paraibanos, afastou os grupos e criou um antagonismo violento entre eles.

Nos anos seguintes, o grupo de São Paulo se aliou à Estados Unidos, aumentando o conflito local. A guerra foi promovida dentro e fora dos presídios com episódios de barbárie.

Segundo pesquisadores, desde o ínico da década passada, o PCC decidiu atuar no atacado e fornecer a droga para grupos menores venderem nas capitais.

“No início dos anos 2000, o PCC chegou nas fronteiras e conseguiu importar a droga, que ele repassa para aliados menores”, diz Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do livro A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil (Ed. Todavia).

A chegada dos paulistas no Nordeste e a maior oferta de drogas aumentaram rivalidades entre traficantes locais, avalia Paes Manso. “Como é um mercado ilegal, as disputas se dão pela força. E como o PCC também colocou armas na região, essa dinâmica produziu mais violência e assassinatos”, diz.

Na Paraíba, por exemplo, a taxa de homicídios cresceu bastante nesse período. Em 1996, o Estado registrava 19,2 assassinatos por 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência. Já em 2011, seu pico, o número chegou a 42,5 mortes por 100 mil habitantes.

No Rio Grande do Norte, que também enfrenta problemas com facções criminosas, o aumento foi mais dramático. Em 1996, o Estado registrava 9,4 assassinatos por 100 mil – em 2016, foram 53,3, alta de 466% em 20 anos.

Os jovens da Okaida

No muro de um bairro de João Pessoa, a Okaida listou seu código de conduta: 'não usar drogas na frente das criaças','não roubar na comunidade em respeito ao cidadão de bem' e 'não escutar som alto tarde noite', entre outras normas

Um dos motores do crescimento da Okaida foi sua política de filiar menores de idade – embora a Estados Unidos também utilize adolescentes, seu aliado PCC evita batizá-los, segundo agentes de segurança da Paraíba.

“Os que se dizem integrantes de facções no nosso Estado são pessoas bastante jovens, inclusive admitindo-se adolescentes entre os faccionados”, diz o promotor Manoel Cacimiro Neto, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado) do Ministério Público da Paraíba.

Divergências com as “doutrinas” do PCC, aliás, explicam também a criação de outra facção nordestina, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte. O grupo potiguar surgiu depois que criminosos questionaram a obrigação do PCC de submeter decisões a chefes em São Paulo.

Essa presença massiva da juventude nas facções do Nordeste tem impacto negativo no índice de homicídios dessa faixa etária – são eles as maiores vítimas dos conflitos.

Segundo o Atlas da Violência, que reúne dados até 2016, a taxa de mortes violentas entre jovens paraibanos de 15 a 29 anos chegou a 70,4 pessoas por grupo de 100 mil habitantes. Embora o número seja considerado muito alto, ainda é menor que os de Estados vizinhos, como Ceará (87,6) e Pernambuco (105,3) – a média nacional é 65.

No Rio Grande do Norte, cuja quadrilha Sindicato do Crime também aposta no aliciamento de jovens e adolescentes, o índice de assassinatos entre eles chega a 125,5 por 100 mil habitantes – alta de 734% em 20 anos.

Rede de facções

Segundo Marcelo Gervásio, presidente da Associação dos Agentes Penitenciários da Paraíba, os maiores presídios do Estado têm alas separadas para integrantes da Okaida, Estados Unidos e PCC, mas a primeira ganha em número.

“Essa divisão ocorre para garantir uma certa segurança do preso”, afirma.

Rebelião em Alcaçuz

Do lado de fora das prisões, a Okaida se aliou ao Sindicato do Crime em uma rede de facções que se contrapõem à presença do PCC no Norte e no Nordeste – também fazem parte o Comando Vermelho, do Rio, e a Família do Norte, que atua na região amazônica.

Essa divisão causou três massacres de presos em cadeias da região em 2017 – os dois primeiros em Manaus e Boa Vista. O último ocorreu no presídio de Alcaçuz, na Grande Natal – ao menos 26 homens ligados ao Sindicato do Crime foram mortos por detentos do PCC. O motim seria uma vingança pelo ataque em Manaus, quando dezenas de integrantes da facção paulista foram assassinados por membros da Família do Norte.

Segundo o promotor Manoel Cacimiro Neto, do Gaeco, essa rede anti-PCC consegue abastecer a região com drogas e armas vindas de países fronteiriços, como Colômbia e Bolívia.

Já o delegado Braz Morroni, ex-chefe da delegacia de narcóticos da Paraíba, aponta que a Okaida também consegue carregamentos oriundos do chamado “polígono da maconha”, região de Pernambuco conhecida por produzir grandes quantidades de cannabis.

Para o deputado estadual paraibano Walber Virgolino (Patriotas), que foi secretário de Administração Penitenciária da Paraíba e do Rio Grande do Norte, um dos principais objetivos das facções locais é impedir que o PCC domine o tráfico de drogas na região. “Hoje, o PCC só não tem o controle da Paraíba por causa da Okaida”, diz o parlamentar, hoje na oposição ao governador João Azevedo (PSB).

A ‘nova doutrina’

Há pouco mais de um ano, houve uma cisão na Okaida. Integrantes ficaram descontentes com o então chefe do grupo, o detento André Quirino da Silva, conhecido como Fão.

“Alguns membros ficaram muito irritados com a violência praticada por esse líder. Fão mandava matar pessoas da própria facção”, diz Braz Morroni, hoje titular da delegacia de roubos e furtos.

Surgiu uma dissidência chamada Okaida RB (iniciais dos apelidos de presos conhecidos como Ro Psicopata e Betinho, criadores do novo grupo). Rapidamente, a nova facção ganhou milhares de adeptos (6 mil, segundo o Ministério Público), assumindo a maior parte do poder da antiga.

Embora a Okaida RB ainda seja inimiga declarada do PCC, ela passou a seguir parte de suas “doutrinas”, segundo Morroni. A nova estratégia, que inclui ditar um código de conduta nos bairros, tenta diminuir os assassinatos e roubos próximos de pontos de venda de droga – com isso, a facção evita a presença da polícia.

“O foco são os negócios e não mais a violência extrema. Antigamente, dívidas de tráfico eram punidas com a morte. Hoje, a Okaida negocia outras formas de pagamento “, afirma o delegado.

Para o promotor Manoel Cacimiro Neto, a Okaida “não possui uma estrutura hierarquizada rígida, a exemplo do PCC”. Ou seja, apesar de existirem chefes com maior influência, a facção “pulverizou” o poder em vários territórios, segundo Neto.

Siglas de facções pichadas nas paredes da Penitenciária Estadual de Alcaçuz durante rebelião no Rio Grande do Norte

A expansão

A ascensão da Okaida coincide com uma sequência de quedas dos homicídios na Paraíba. Segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, que compila dados das secretarias estaduais da área, o Estado registrou 1.286 assassinatos em 2017 – baixa de 16,7% em relação a 2014.

Segundo especialistas, boa parte da queda está relacionada ao programa de redução de homicídios do governo estadual, o “Paraíba Unida pela Paz”, que conseguiu diminuir a taxa de homicídios para 31,9 mortes a cada 100 mil habitantes em sete anos.

Por outro lado, a Okaida expandiu seus braços para outros cidades paraibanas. A facção atua em muncípios como Cachoeira dos Índios e Campina Grande, a segunda maior cidade do Estado.

Reportagem do jornal Correio da Paraíba mostrou que vários bairros da periferia de Campina Grande já estão ocupados pelo grupo criminoso – em um deles, por exemplo, integrantes da facção têm o controle até das chaves de uma escola pública.

Ao sul, células da Okaida também foram desmontadas pela polícia em cidades de Pernambuco.

Cela de presídio superlotada

Em março do ano passado, uma operação da Polícia Civil descobriu que integrantes da Okaida estavam organizando roubos e o tráfico de drogas em Camutanga, município na zona da mata pernambucana. Outra célula foi descoberta neste mês em Afogados, bairro do Recife.

Os presídios pernambucanos também têm presença de integrantes da Okaida, segundo João Carvalho, presidente do sindicato dos agentes penitenciários local. “Nas cadeias de Pernambuco, a força das facções se divide entre PCC, Okaida e Comando Vermelho”, diz.

Os presídios e o que dizem os governos

Tanto a Paraíba quanto Pernambuco têm superlotação em suas cadeias. Aliada à precariedade estrutural dos espaços, o aumento exponencial da massa carcerária facilita, em tese, o aliciamento de novos “soldados” pelas facções criminosas.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a Paraíba apresenta um déficit de 5.430 vagas no sistema carcerário – no total, o Estado tem 13.189 presos. O governo diz que tem investido na criação de novos presídios.

Já Pernambuco tem 32.884 detentos para 11.689 vagas – déficit de mais de 21 mil. O governo de Paulo Câmara (PSB) afirma que “criou nos últimos quatro anos 2.374 vagas nos presídios” para diminuir a superlotação.

Sobre a expansão da Okaida, o governo da Paraíba diz que programas estaduais de redução da violência têm dado certo. “O resultado foi a queda de crimes contra a vida durante sete anos consecutivos no Estado e também nos primeiros três meses de 2019.”

Com o mesmo efetivo policial de 2010 e pagando o pior salário do Brasil, Ricardo Coutinho acredita que a violência se combate com mentiras

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