Em meio ao desgaste da operação Lava Jato, cresce a pressão de uma ala do STF (Supremo Tribunal Federal) para que a corte se posicione sobre as mensagens que o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol trocavam na força-tarefa da Lava Jato.
Segundo série de reportagens do site The Intercept Brasil, o hoje ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PSL) e o chefe da força-tarefa da Lava Jato discutiam colaborações de processos em andamento e comentavam pedidos feitos à Justiça pelo Ministério Público Federal.
Para advogados e professores, a maneira como o atual ministro da Justiça e o procurador reagiram à divulgação das conversas, sem contestar o teor das afirmações e defendendo o comportamento adotado na época, aponta que o conteúdo é fidedigno e que ele pode servir de base para reverter decisões da Lava Jato, por exemplo, contra o ex-presidente Lula.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
Na última terça-feira (11), o ministro Gilmar Mendes (STF) anunciou que a Segunda Turma da corte, formada por ele e outros quatro ministros, deve julgar no próximo dia 25 um habeas corpus em que a defesa do ex-presidente Lula pede que seja declarada a suspeição de Moro no julgamento do caso do tríplex de Guarujá.
O objetivo dos advogados do petista é conseguir a anulação da condenação, sob o argumento de que Moro não foi imparcial na análise do caso, que aparece nas conversas que vieram à tona e no qual o petista é acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina da empreiteira OAS em decorrência de contratos da empresa com a Petrobras.
O valor, apontou a acusação, se referia à cessão pela OAS do apartamento tríplex ao ex-presidente, a reformas feitas pela construtora nesse imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial. Ele foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Preso em decorrência da sentença de Moro, Lula foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e depois chancelada também pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
RESUMO DOS DIÁLOGOS EM 3 PONTOS
- Troca de colaborações entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato
- Dúvidas de Deltan a respeito da solidez das provas que sustentaram a primeira denúncia apresentada contra o ex-presidente Lula
- Conversas em um grupo em que procuradores comentam a solicitação feita pela Folha para entrevistar Lula na cadeia
Nos bastidores do Supremo, o vazamento da troca de mensagens foi tratado como determinante para que Gilmar liberasse o processo na turma. O caso dormitava nas mãos do ministro desde dezembro do ano passado, quando ele pediu vista (mais tempo para analisá-lo).
Um grupo de ministros defende que o Supremo use o julgamento do pedido de suspeição para dar o seu recado mais claro sobre a atuação de Moro e da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Com o julgamento marcado para daqui a duas semanas, ministros da corte esperam que a defesa de Lula faça uma nova provocação ao STF, juntando ao processo o material revelado pelo The Intercept Brasil.
O site The Intercept Brasil divulgou diálogos que mostram que Sergio Moro e Deltan Dallagnol discutiam processos em andamento e comentavam pedidos feitos à Justiça pelo Ministério Público Federal enquanto integravam a força-tarefa da Lava Jato.
O advogado do petista, Cristiano Zanin, e sua equipe estão se debruçando sobre o teor das conversas vazadas, e a expectativa é a de que até sexta-feira (14) apresentem ao STF uma atualização ao processo.
Entre os argumentos que já constam no pedido de suspeição está o fato de Moro ter aceitado o convite de Bolsonaro para ocupar o cargo de ministro da Justiça.
“A história não pode deixar de transmitir às futuras gerações que o aludido ex-magistrado, ao tempo em que ainda conduzia esta ação penal, foi convidado e aceitou se tornar ministro de Estado do governo do atual Presidente da República, à época e até hoje oponente do apelante”, diz trecho do habeas corpus.
Para reforçar a tese de parcialidade de Moro e de que ele se aliou a um adversário político de Lula e do PT, os advogados citam declarações de Bolsonaro sobre o ex-presidente e seus correligionários —como a que em que o agora presidente disse que o petista iria “apodrecer na cadeia” e que seus aliados seriam presos se não deixassem o país.
Integrantes do Supremo avaliaram, reservadamente, que o conteúdo das mensagens reveladas agora dá força aos argumentos de Lula, embora ninguém ainda se aventure a prever se o pedido de suspeição terá êxito ou não.
A segunda turma está dividida, e o decano do STF, Celso de Mello, deve ser o voto decisivo no caso.
Enquanto Gilmar e Ricardo Lewandowski devem apoiar um pedido de suspeição, interlocutores que acompanham os juízes dão como certo que Edson Fachin e Cármen Lúcia não mudarão seu entendimento anterior, de não atender o habeas corpus solicitado por Lula.
Nesta terça-feira, um antigo voto do decano do Supremo começou a circular entre os magistrados como precedente favorável a uma punição a Moro.
Em 2013, ao julgar o caso habeas corpus do doleiro Rubens Catenacci no caso do Banestado, o ministro votou pela suspeição do então juiz Moro, que monitorou voos de advogados do acusado para garantir sua prisão. À época, os advogados também pretendiam anular o processo sob o argumento de parcialidade do magistrado na condução do caso.
Celso de Mello ficou isolado naquele dia. Ao divergir dos colegas, o decano defendeu que a sucessão de atos praticados por Moro à frente da 2ª Vara Federal de Curitiba (PR) não foi compatível com o princípio constitucional do devido processo legal.
De acordo com os registros nos arquivos do STF, o ministro afirmou que a conduta do então juiz fugiu “à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor” e gerou sua inabilitação para atuar na causa, atraindo a nulidade dos atos por ele praticados.
O posicionamento de Celso de Mello em 2013 também foi resgatado pela defesa de Lula e incorporado ao habeas corpus de suspeição de Moro em dezembro do ano passado.
Folha