Crise econômica afasta evangélicos de Bolsonaro e nem “Deus” salva governo

As últimas pesquisas de opinião reforçam a perda de apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) entre os evangélicos. A pesquisa PoderData divulgada semana passada mostra que 37% dos evangélicos consideram o governo Bolsonaro ruim/péssimo. Em agosto esse percentual era de 34%. O Datafolha de setembro também mostra essa tendência: Bolsonaro perdeu 11 pontos de janeiro até setembro entre os evangélicos, que correspondiam a 40% de seus apoiadores no começo do ano e em setembro eram 29%.

A alta do preço do gás é explosiva para o presidente, assim como o aumento da inflação sobre alimentos, a alta da conta de luz e aprofundamento da miséria. Não há perspectiva vinda do governo que atenue esse panorama. Paulo Guedes, ministro da Economia, culpa o mundo pela crise econômica. É uma maneira de não lidar com o problema, de não se responsabilizar. Ao não apontar saídas, gera mais instabilidade e insegurança e menos investimentos, o que acaba se refletindo na aprovação do próprio governo.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) bem que tentou mudar o foco e apelou às “pautas de costumes” ao criticar o Super Homem bissexual. Disse que seria uma tentativa de “destruir a masculinidade dos mais tolerantes”. Mas essa estratégia também parece não funcionar como antes. O mesmo acontece com a maneira como Bolsonaro, seus ministros e seus filhos se referem a Deus.

O presidente usa Deus como estratégia desde que começou a campanha para as eleições de 2018. Ciente da potência do eleitorado evangélico e de olho no pleito de 2022, vem agradando essa parcela da população brasileira com referências a Deus para garantir sua base de apoiadores custe o que custar. Afinal, a fé é um elemento que está acima da razão. Mas essa relação não é infinita.

Agindo como se ele mesmo fosse o enviado de Deus, Jair Messias Bolsonaro radicalizou e apostou nos fiéis mais aguerridos para garantir os 23% que o apoiam incondicionalmente. Encheu o Planalto de líderes evangélicos como o ministro da Educação, Milton Ribeiro, pastor presbiteriano, o ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni (DEM), que ora quase todas as manhãs pelas redes sociais, a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, evangélica neopentecostal da Igreja Batista da Lagoinha desde pequena, e pleiteia espaço no Supremo Tribunal Federal para o candidato “terrivelmente evangélico”, André Mendonça. Tudo para dominar o poder e dialogar com os 20% de deputados e senadores no Congresso que correspondem à bancada evangélica.

Mas a concretude da morte também se impôs e se juntou à crise econômica. As mais de 600 mil vidas perdidas para a covid-19, quadro potencializado pela omissão, negligência, irresponsabilidade e boicote às vacinas do governo Bolsonaro, cobram do presidente uma mudança de postura. Uma expectativa até entre os evangélicos, que também se depararam com a dor e a solidão da perda sob a pandemia. Essa mudança nunca chega. Nem chegará. Bolsonaro voltou a pregar contra a vacina.

O Deus de Bolsonaro, que segundo seus desejos deve ser uma figura armada de fuzil em nome da “liberdade”, não é o mesmo para todos os brasileiros. O Datafolha levantou, em 2020, que a maioria da população brasileira ainda é católica (50%), em seguida vêm os evangélicos (31%). Cabe lembrar que são muitas as vertentes da religião evangélica e que a maioria dos apoiadores de Bolsonaro se identifica com as linhas neopentecostais.

A visita do presidente a Aparecida, em uma das celebrações mais importantes para os católicos, não funcionou como Bolsonaro esperava. Foi recebido entre vaias e poucos aplausos. Em sua homilia, o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, pregou contra o armamento da população, o discurso de ódio e as notícias falsas e defendeu a ciência e a vacinação. Papel que deveria ter qualquer líder religioso, espiritual e político. O arcebispo se referiu diretamente ao presidente: “Vamos abraçar os nossos pobres e também nossas autoridades para que juntos construamos um Brasil pátria amada. E para ser pátria amada não pode ser pátria armada.”

Bolsonaro reagiu com uma retórica absurda, em que a arma seria a garantia de “liberdade”. “Nós devemos nos preocupar com a nossa liberdade, o bem maior de uma nação. Sem liberdade, não há vida. Mais importante que a própria vida, é a liberdade.” Colocar essa liberdade armada e violenta com importância acima da própria vida é ainda mais surreal. Quem não tem vida, não tem nada. De acordo com a pesquisa PoderData desta quinta (14), 57% dos católicos consideram o governo Bolsonaro ruim/péssimo, ainda que esse índice tenha recuado.

O Brasil já vive as consequências do discurso armamentista de Bolsonaro. Com a flexibilização do acesso a armas, o número de brasileiros armados duplicou em apenas três anos. Ao mesmo tempo, os homicídios subiram nos últimos dois anos. Quanto mais armas, mais violência, essa é uma consequência conhecida por pesquisadores da área há décadas. A população brasileira religiosa sabe que Deus está no comando até certo ponto. A partir daí, a responsabilidade é do homem, que tem livre arbítrio.

As urnas cobrarão.

Maria Carolina Trevisan

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