Eleitor começa a ver que Bolsonaro não nasceu para presidente

É crescente o número de brasileiros que concordam com ao menos metade da afirmação feita pelo presidente Jair Bolsonaro durante uma solenidade em Brasília: “Não nasci para ser presidente; nasci para ser militar”. Eu diria que os militares não concordam com a segunda parte.

Segundo dados da pesquisa Datafolha, publicados da edição da Folha deste domingo, o governo do autoproclamado “Mito” é ótimo ou bom para 32% dos entrevistados; regular para 33% e ruim ou péssimo para 30%; 4% dizem não saber.

O Datafolha ouviu 2.086 pessoas, entre 2 e 3 de abril, em 130 municípios de todo o Brasil. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Os números são ainda piores do que os apontados pelo Ibope na pesquisa que veio a público no dia 20 do mês passado: 34% de ótimo/bom e igual índice para regular e 24% de ruim/péssimo.

Também nos números do Datafolha, é o pior desempenho de um presidente nesta fase do mandato desde a volta das eleições diretas. Convenham: ninguém tem o direito de se dizer surpreso. É evidente que um governante nada muda de substancial no país nos primeiros três meses. E os eleitores sabem disso. Essas avaliações iniciais carregam muito da campanha eleitoral e das inclinações dos votantes. São sempre generosas com o mandatário de primeira viagem porque, afinal, ele só está lá porque contou com o voto da maioria. Se, no entanto, como é o caso, há uma queda significativa de expectativas e mudanças bruscas de humor, algo de muito errado está em curso não propriamente com o governo, mas com o governante. Explico-me.

Ainda não deu tempo, com a provável exceção da parcela de estudantes universitários prejudicados pela bagunça reinante no MEC, de a vida dos brasileiros ser alterada por escolhas feitas por Bolsonaro. Essa avaliação ruim traduz um juízo sobre o seu comportamento como presidente. Acompanho de perto os humores dos brasileiros com presidentes da República desde o longínquo João Figueiredo. Nunca vi um mandatário costear o ridículo com a frequência com que o faz Bolsonaro, e isso constrange mesmo aqueles que foram seus eleitores. Só o grupo dos fanáticos vive em gozo permanente e cobra que seu líder se afunde ainda mais em controvérsias, maluquices e irresponsabilidades.

Há pouco mais de duas semanas, um de seus assessores pessoais, Filipe Martins, pregava nas redes sociais que o presidente deixasse a “velha política ” e, vamos dizer, falasse diretamente às massas. Mal o presidente dá início a uma articulação com partidos políticos, a exemplo do que se viu na sexta, eis que Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, saca o celular do coldre e dispara:

“Se o Presidente Bolsonaro não tivesse a população a seu lado este assunto jamais seria tratado como está sendo. É nítido que a pressão popular faz a ‘situação’ agir assim. Por isso o sistema corrupto insiste tanto em desgastá-lo e transformá-lo em mais um boneco de ventríloquo.”

Não duvidem: a terapia que os fiéis da igreja olaviana — liderada pelo ex-astrólogo e ex-islamista Olavo de Carvalho —  e os filhos irão recomendar é que o presidente dobre a dose do remédio errado e se meta ainda mais em polêmicas. Para eles, o “Mito” precisa se reencontrar com o seu eleitorado, o que requer que trabalhe ainda menos, dedicando seu tempo às guerrilhas virtuais. Está dando errado, como resta evidente. Mas e daí? Já afirmei aqui que o gozo do extremista está na reiteração da sua fé, pouco importando a eficácia de sua crença.

A perda de capital político é óbvia. Informa o Painel:

“A comparação dos dados da nova pesquisa Datafolha com os resultados obtidos por Jair Bolsonaro na eleição oferece termômetro expressivo da queima de capital político nos três primeiros meses de governo. Na região Sul, onde o presidente alcançou seu maior índice de votação, 68%, apenas 39% classificam seu governo como ótimo ou bom —e 54% dizem que ele fez menos do que o esperado. No Sudeste, onde conquistou 65,4% dos votos válidos, o percentual de frustrados chega a 59%.”

Bolsonaro não nasceu para ser militar, como evidencia a sua carreira. Não nasceu para ser presidente da República, como evidenciam seus pensamentos. Mas presidente da República ele está porque eleito pelo povo. Chega aos primeiros 100 dias de mandato. Andou apenas 6,8% do caminho. Ainda faltam 93,2%. Dá para corrigir a trajetória, tornando-se o presidente que não nasceu para ser? Em tese, a resposta é “sim”. Mas vai depender de suas escolhas. E ele, até agora, soma uma coleção formidável de erros, o que inclui alguns crimes de responsabilidade já cometidos, segundo os marcos estabelecidos pela Lei 1.079. Se insistir em flertar com o abismo, os que o elegeram também o derrubam.

O Brasil já tem experiência nessa área.

Seria bom que o presidente começasse a trabalhar. Os 28 anos em que passou vociferando irrelevâncias na Câmara o deixaram mal acostumado.

Reinaldo Azevedo

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