Relatórios despachados de Oslo, na Noruega, para a sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, revelam que Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), alegou ter sido ameaçada de morte pelo deputado federal, em 2011.
Os telegramas, como os textos datados de julho de 2011 são chamados no jargão diplomático, mostram os movimentos do capitão reformado do Exército para tratar de um assunto pessoal, a localização da mulher, com quem se relacionou por 10 anos, e do filho deles, Jair Renan, então com 11 anos de idade.
Na época, ao explicar os motivos que a levaram a sair do país, Ana Cristina disse que “havia sido ameaçada de morte pelo pai do menor”, no que o vice-cônsul completou: “Aduziu ela que tal acusação poderia motivar pedido de asilo político naquele país”.
No documento consta o nome do embaixador brasileiro na Noruega na época, Carlos Henrique Cardim. Diplomata e professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília UnB), ele atesta que o diálogo entre a ex-mulher de Bolsonaro e vice-cônsul Mateus Henrique Zóqui, apesar de informar que não participou do diretamente do caso.
Segundo Cardim, Bolsonaro fez contato com ele naquele período para tratar do caso envolvendo o filho Renan. “Mas a embaixada não trata desses casos, no que indiquei o chefe do setor consular.” Na sequência, o embaixador entrou de férias e, por causa de assuntos pessoais, preferiu deixar o cargo no país europeu, assumindo logo depois o cargo de assessor internacional do Ministério dos Esportes.
Reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada na semana passada, revelou os detalhes de como Bolsonaro mobilizou a estrutura do Ministério das Relações Exteriores para atender interesses pessoais, envolvendo a relação com a ex-mulher. O documento, ao qual o Correio também teve acesso, demonstra os detalhes das conversas entre Ana, representantes e representantes do Itamaraty. De acordo com o memorando, ao ser informada que poderia responder, no âmbito da Convenção de Haia, pelo sequestro internacional de menores, a advogada considerou que o vice-cônsul estava agindo em nome de Bolsonaro.
No entanto, no decorrer da conversa, ela foi ganhando confiança e informada que também poderia recorrer a assistência consular. Ana disse então que “havia deixado o Brasil há dois anos por ter sido ameaçada de morte pelo pai do menor”. Em conversa com a reportagem do Correio, Ana Cristina negou ter feito as acusações ou ter sido contatada pelo consulado brasileiro. “Nunca fui ameaçada de morte por ele. Eu não fui contatada pela embaixada na época. O governo da Noruega que ligou para o meu marido, que hoje mora comigo aqui no Brasil. Hoje eu mantenho uma relação boa com Bolsonaro. Toda separação é meio difícil. Existem mágoas, um pouco de brigas, e na minha não foi diferente. Mas hoje em dia estamos muito bem”, afirmou.
Procurado pelo Correio, por meio de sua assessoria, o deputado Jair Bolsonaro não atendeu nossas ligações, tão pouco respondeu as mensagens. Zóqui, funcionário do Itamaraty, também se recusou a dar detalhes sobre o ocorrido. O Itamaraty não quis se pronunciar.
Em campanha
Na época, ao ser informado sobre a ida da ex-mulher com o filho para a Europa, Jair Bolsonaro procurou o setor do Itamaraty que é destinado ao atendimento das demandas dos parlamentares. Para receber atenção da pasta, os assuntos devem estar ligados diretamente ao exercício do mandato legislativo. De acordo com o próprio site do Itamaraty, o órgão não pode “interferir em questões de direito privado, como direitos do consumidor ou questões familiares”.
Bolsonaro também ingressou com um processo na Justiça. Atualmente, Jair Renan vive no Brasil, com a mãe. Ana Cristina é chefe de gabinete na Câmara de Vereadores de Resende, no Rio de Janeiro. Ela é candidata a deputada federal pelo Podemos, e utiliza as redes sociais para fazer campanha. Apesar de não ter adotado o nome do candidato à Presidência, ela se identifica nas redes sociais e nos materiais eleitorais como Cristina Bolsonaro. “Eu tenho um pensamento muito parecido com o dele. Ele me incentivou a fazer faculdade e comecei a atuar no direito militar”, disse.
Correio Brasiliense