Muito tem se falado nos últimos dias sobre a querela envolvendo o prefeito Luciano Cartaxo e vereadores de oposição sobre o polêmico orçamento impositivo.
Antes de adentrar na questão Orçamento Impositivo, é preciso falar um pouco sobre orçamento público.
Numa das definições mais modernas acerca de orçamento público, o economista James Giacomoni o trata como “um plano que expressa em termos físicos e financeiros, para um período de tempo definido, o PROGRAMA de operações do governo (as ações) e os meios de financiamento”. Coloquei a palavra PROGRAMA em caixa alta porque ela é o cerne principal quando se trata de orçamento público. Afinal, é o PROGRAMA do candidato ao executivo vencedor das eleições que vai orientar o orçamento público do ente para o qual foi eleito; e não é a toa que ele é o responsável constitucional pela sua elaboração e execução. [SIC]
Na essência, o executivo envia a peça orçamentária para o legislativo, onde os parlamentares tem a prerrogativa de aperfeiçoá-la sugerindo emendas ao projeto, observando a constitucionalidade, exequibilidade e os limites das modificações, levando em conta que o orçamento é uma lei de efeitos concretos e temporários (1 ano). A norma é autorizativa, ou seja, ela autoriza o governo a executar certas despesas fora das obrigatórias como previdência social, remuneração de pessoal, saúde, educação, todas estas responsabilidade oriundas dos percentuais constitucionais da Receita Corrente Líquida. Cabendo ao executivo se acolhe ou não as sugestões dos parlamentares.
Ultrapassada a noção básica de orçamento público e os limites da responsabilidade fiscal impostas a sua execução, adentremos de fato no debate sobre as famigeradas emendas impositivas.
A participação do poder legislativo na execução do orçamento sempre foi matéria de disputa permanente na relação interpoderes, tendo um capítulo vitorioso para o parlamento brasileiro com a criação da regra de imposição. Em apertada síntese, o orçamento impositivo é uma parcela de dinheiro sobre a qual o governo não vai mais poder decidir, é um naco significativo do orçamento público que fica comprometido para executar as modificações ou adições dos parlamentares ao projeto de lei orçamentária anual. Seu não cumprimento pode gerar crime de responsabilidade do gestor que não executa.
O modelo brasileiro de orçamento impositivo é considerado um dos mais irresponsáveis do mundo. Ele se apega ao discurso da mega-concentração do bolo orçamentário da União para justificar que sua existência desconcentra e por fim “democratiza” o gasto público. Na prática, ele aumenta o grau de engessamento do orçamento da União e dá aos congressistas a conveniência de não promover uma reforma no pacto federativo que ponha um fim na dependência que estados e municípios tem com a União. Em verdade, transferem para si essa dependência.
A realidade de Brasília desembarcou em João Pessoa, encantando os vereadores da Capital. E, tal qual o parlamentares do plano nacional, os parlamentares daqui miraram na independência, mas acertaram irresponsabilidade fiscal.
Ao aprovarem emenda à Lei Orgânica criando o instrumento, impositivo elevaram a obrigatoriedade de execução do município para 1,2% da Receita Corrente Líquida. Para se ter uma ideia, em 2017, o governo federal era obrigado a pagar as emendas coletivas até o limite de 0,6% da Receita Corrente Líquida (RCL). A PEC aprovada este ano elevou o valor para 0,8% da RCL em 2020; e 1% em 2021. A partir de 2022, o valor será igual ao do ano anterior, reajustado pela inflação, ou seja, o orçamento impositivo de João Pessoa consegue superar o percentual nacional.
Em números reais, pela proposta, cada vereador tem direito a propor R$ 794,670,00; totalizando a soma anual de R$ 21.456.098,00. Em quatro anos este valor representará a quantia exponencial de R$ 85.824.392,00, algo pra lá de surreal para a realidade fiscal da Cidade das Acácias.
A irresponsabilidade técnica do modelo consegue ser tão vil quanto à fiscal. Por exemplo, emendas para obras de alto investimento são elaboradas apontando apenas 10% do valor real da intervenção e o governo fica com a obrigação de carrear os outros 90% do recurso para garantir a execução. Uma jabuticaba pessoense.
É preciso lembrar que o zelo pela sua saúde fiscal do município é responsabilidade de todos, e foi esse zelo que fez com que nossa Capital figurasse entre as poucas capitais brasileiras que não sentiram o efeito devastador da crise econômica.
Fazendo um comparativo com práticas internacionais, deputados e senadores norte-americanos consideram as metas fiscais – ou seja, o fechamento das contas do governo federal no azul – antes de fazer qualquer movimento no orçamento. A União Europeia, por exemplo, cujo modelo de debate e formação do orçamento serve de matriz para os países do bloco, estabelece um Comitê de Conciliação para resolver o que pode e não pode ser executado.
Nem os deputados federais brasileiros agiram com o descuido dos vereadores de João Pessoa. Na PEC que reformou o
Orçamento Impositivo da União, um mecanismo de exequibilidade foi acrescentado ao texto de modo a fazer com que o dinheiro aplicado em uma obra ou projeto que dure mais de um ano, obrigue a bancada a destinar emendas de complementação para esta finalidade até que esteja concluída. Em João Pessoa, nem isso!
Há época em que fui secretário do Orçamento Participativo (democrático) de João Pessoa, a ferramenta de participação popular possuía (ainda possui) de análise técnica sobre exequibilidade das demandas. No modelo impositivo da Câmara não!
Confesso que nunca vi o prefeito Luciano Cartaxo se portando abruptamente contrário ao orçamento impositivo, sempre percebi sua correta ponderação quanto aos valores das sugestões. De modo que não me espanta o tom duro da sua fala nesta ultima quinta-feira. Não era para menos, a regra impositiva o colocou sob a lâmina afiada da espada do crime de responsabilidade, a notícia-crime impetrada pelo vereador Bruno Farias o estocou.
O ato hostil do oposicionista acabou por demonstrar que a falta de razoabilidade no modelo de orçamento impositivo de João Pessoa tinha outros objetivos. A narrativa ideia da colaboração orçamentária interpoderes que encantou até a própria bancada situacionista, escondia outro detalhe: a facilitação na abertura de processo de impeachment.
Na verdade, nesta configuração pode se chamar de Golpe. Atenta, a vereadora oposicionista, Sandra Marrocos – que assim como eu, foi gestora do OD – tratou de reconhecer o esforço da prefeitura para execução das emendas tecnicamente viáveis e apontar para um discurso de moderação e conciliação.
Apesar de duro, o recado do prefeito não foi um reclame reducionista. Foi um chamamento ao parlamento para voltar a atentar a responsabilidade fiscal da cidade, tarefa que é colegiada.
É bom que se diga que a Câmara tem tido dificuldade para cumprir suas metas solicitando quando sempre a suplementação de valores nos repasses do duodécimo ao longo dos anos. Na verdade, a última vez em que Casa registrou superávit, devolvendo recursos para o município, foi em 2008, ainda sob o comando do então vereador Severino Paiva. E ao que parece, nem as dificuldades para fechar suas contas conseguiu constranger aquele Poder em aumentar o numero de vagas para a próxima legislatura, elevando ainda mais o seu custo para a contribuinte.
Repito, responsabilidade fiscal é meta de todos!
O barulho da fala do prefeito que ecoou alto na Casa de Napoleão Laureano, pegou a contramão da Avenida Trincheiras, passou pelo Pavilhão do Chá até chegar ao Palácio da Redenção. Sem querer (!), a narrativa de Luciano o aproximou do governador João Azevedo, que negocia com a Assembleia um modelo que não se mostre tão danoso ao estado como o de João Pessoa é para a cidade.
Luciano, precisou se impor para não ser deposto. Agiu com responsabilidade fiscal e política.
*Rômulo Halysson Santos de Oliveira é advogado e analista político, graduando em economia pela UFPB, empreendedor cultural e escreve semanalmente coluna de análise política com o título “Olhares Líquidos”.