O relato a seguir é de Francisco Barreto, ex-secretário da Prefeitura de João Pessoa, demitido pelo então prefeito Ricardo Coutinho após denunciar esquemas de corrupção no primeiro ano da gestão, em 2005.
À época, Barreto chegou a fazer forte oposição e disse: “Ricardo Coutinho não é o ‘modelo de integridade’ que muitos acreditam”.
Em 25 de outubro de 2005, escrevi uma carta ao então Prefeito Ricardo Coutinho, de João Pessoa. Nela, uma extensa crítica ao seu processo de gestão. Fiz-lhe, sobretudo, alertas. Alertas mal recebidos sobre os desvios de condutas internas rastejando a corrupção que se afigurava.
Aquela carta foi determinante para o epílogo de minha saída da gestão. Sem contemplação, e imbuído de um sentimento de ilimitado poder, o governante nunca me procurou para averiguar a correção das minhas denúncias e advertências.
Ele jamais sensibilizou-se diante da lucidez freudiana segundo a qual “a imagem de alguém é a imagem dos outros”. Afinal, ainda na mesma carta, entre muitas coisas, disse-lhe: “Ao Prefeito se reservam as estórias; ao Líder, a História o assume. O Líder não deve sucumbir à perigosa tentação de ser apenas Prefeito”. Um poder volátil, transitório.
“Não deve haver contemplação com atos que derivem de práticas nocivas ao interesse público. O Governo deve continuar sendo duro e eficaz contra atos que possam resultar em corrupção ativa e ou passiva bem como qualquer ato predatório do patrimônio publico”, ressaltei, à época, acrescentando:
– A corrupção está à espreita de seu Governo. Existem sinais claros de que em alguns setores começam a derrapar para o desvio de recursos públicos. Merecem atenção a Emlur e a Seplan. Deve bater duro na corrupção que já se avizinha. Merenda escolar, carteiras das escolas, Informática, superfaturamento de obras, Estação Ciência, medicamentos, entre outros eventos, merecem o seu olhar. Bata duro.
Desafortunadamente, o gestor considerou meu gesto de contribuição um ato de hostilidade. Pediu o cargo. Saí, como saí de todas as instâncias públicas em que vi a grandeza moral ser destruída.
Há 13 anos sei e dei ciência pública das extremas desonestidades que se processavam nos monturos governistas. Denunciei ao Ministério Público, ao Tribunal Regional Eleitoral. Foram alvos, inertes, das minhas pregressas e inócuas manifestações. Nada ocorreu em resposta ao cumprimento do meu dever de cidadão, de pessoa pública comprometida com a moralidade pública.
Amarguei o preço de ser considerado ingrato, odiento, invejoso, calunioso. Retirei-me das lidas políticas e administrativas.
Vejo agora, com a mesma indignação de antes, o que emerge dos escombros de um modo de governar, mas não posso deixar de reiterar que tudo o que ainda virá à tona contou com a complacência, o apoio politico e a legitimação, enfim, de importantes e incautos segmentos dos paraibanos.
O acontece e acontecerá apascenta a minha consciência, confirma que eu estava certo e que o meu afastamento das hostes sob investigação fora um sofrido e doloroso caminho. Necessário, e o fiz. Não errei.
Por todos esses anos sempre tive a certeza ao afirmar e denunciar que nesse processo, como tantos outros, o exercício do poder deu-se por renúncia à grandeza, à ética política, e que só aos fortes de caráter e de moral é possível transitar na lama sem se corromper.
Parafraseando Don Miguel de Unamuno, “dói-me a Paraíba”.
- Francisco Barreto é economista e Professor Doutor da UFPB