A pequenina Curral de Cima, com apenas 5 mil habitantes, pode estar sendo palco de um dos mais engenhosos esquemas de corrupção em prefeituras na Paraíba.
De acordo com reportagem do ParaíbaJá, o prefeito de Curral de Cima, Totó Ribeiro, foi denunciado no Tribunal de Contas do Estado por, supostamente, organizar um esquema de empréstimos consignados fraudulentos entre servidores municipais e o Bradesco.
Tudo teria começado em 2019, quando Totó Ribeiro vendeu a folha salarial da prefeitura para o Bradesco. Por coincidência (e bota coincidência nisso!), o filho do secretário de Controle Interno, Paulo Queiroz Filho, passou a trabalhar justamente no Bradesco de Curral de Cima.
Funcionamento do esquema
O sistema funcionaria da seguinte forma: a engrenagem da Prefeitura escalaria servidores para retirarem empréstimos consignados junto ao banco, esse valor seria repassado integralmente ou parcialmente para os líderes, posteriormente o servidor receberia o aumento no salário – com gratificação ou hora extra – correspondente a parcela do consignado, e o empréstimo é pago com o dinheiro público. Ainda conforme apuração do Paraíba Já, em alguns casos, há a possível emissão de contracheques falsos e declarações fraudulentas com intuito de possibilitar a aprovação do empréstimo junto à instituição bancária.
Empréstimos até para prestadores de serviço
Na grande maioria dos casos os bancos só realizam empréstimo consignado – aquele que já vem o desconto da parcela diretamente no salário – para servidores efetivos, pois há garantia do retorno do saldo devedor.
Porém, na Prefeitura de Curral de Cima servidores comissionados tiram empréstimo que comprometem mais da metade do salário e até mesmo prestadores de serviços conseguem consignado. Há relatos ainda de supostos servidores fantasmas que alcançaram êxito ao contrair concessão financeira do banco.
Com o TCE já estão provas como a de um servidor comissionado lotado no Gabinete do Prefeito Totó Ribeiro, que fez um empréstimo em fevereiro de 2021 num prazo de 96 meses (8 anos), e exatamente no mesmo mês passou a ter uma gratificação. Com uma parcela do empréstimo de R$ 499,76, os vencimentos dele ganharam um acréscimo de R$ 550 com gratificação. Ele passou de R$ 1.100 para R$ 1.650.
Outro caso é de um servidor comissionado que trabalharia oficialmente em Pernambuco, mas teria suposto vínculo fantasma com o setor de Finanças da Prefeitura de Curral de Cima como coordenador executivo. Ele também contraiu empréstimo em fevereiro de 2021, e teve no mesmo mês uma gratificação aditada no seu salário de 50% da sua remuneração. E em julho de 2021, ele teve o salário dobrado, para em agosto do mesmo ano solicitar outro empréstimo, mês em que teve uma nova gratificação incorporada para cobrir as parcelas do consignado. Nas redes sociais ele tem registros junto a pessoas que operariam o esquema na prefeitura. No começo de 2021 ele tinha salário de R$ 1.100 e finalizou o ano com uma remuneração de R$ 3.500, aponta o Sistema de Acompanhamento da Gestão dos Recursos da Sociedade (Sagres) do TCE-PB.
Também há efetivos na engrenagem do possível esquema. Um funcionário que consta nos quadros da Prefeitura de Curral de Cima como auxiliar administrativo contraiu empréstimo em fevereiro de 2021, com parcelas de R$ 754 em 96 meses, e no mês posterior passou a receber R$ 800 a título de hora extra, sendo que já recebia antes uma gratificação de metade do seu salário. Ele recebia R$ 1.652 em janeiro e passou a receber R$ 2.450 em fevereiro.
Em outro dados que o Paraíba Já teve acesso, há um servidor efetivo na função de auxiliar de serviços gerais que contraiu empréstimo em 96 parcelas de R$ 764, a partir de fevereiro de 2021. No mesmo mês ele passou a receber R$ 850 em gratificação. O possível agravante é que ele seria servidor fantasma, além de genro de uma suplente de vereadora, pois não cumpre carga horária e é um popular comerciante do município de Curral de Cima.
Negócio de família
Familiares do prefeito Totó Ribeiro possuem cargos na Prefeitura de Curral de Cima e também adquiriram empréstimos consignados de forma suspeita.
Um dos genros do gestor que atua na Secretaria de Saúde, na qual sua esposa e filha de Totó é secretária, contraiu empréstimo em fevereiro de 2021 e passou a receber gratificação no mesmo mês. Com parcelas por volta de R$ 541, o servidor começou a receber em sua remuneração a gratificação de R$ 550 mensais. A título de exemplificação, o servidor adquiriu um empréstimo que inicialmente teria uma parcela que comprometeria 50% de seu salário, onde com um salário de R$ 1.100 conseguiu êxito num empréstimo com o banco para pagar mais de R$ 540 no parcelamento. É uma porcentagem que não é aceita nas instituições bancárias.
Um segundo genro do prefeito, servidor contratado e lotado na Secretaria de Saúde como fisioterapeuta, também conseguiu pegar empréstimo com uma parcela de R$ 1.254, e recebeu da prefeitura uma gratificação de R$ 1.350 logo em seguida. Caso aconteceu também em fevereiro de 2021, onde ele passou de um salário de R$ 3.000 (janeiro) para R$ 4.350, conforme registra o TCE.
(Foto: Reprodução)Uma cunhada de Totó Ribeiro possui vínculo como servidora contratada da Secretaria de Educação, onde atua como diretora escolar, e adquiriu um empréstimo consignado no fim de 2020. Ela recebia R$ 1.100 em janeiro de 2021, e passou a receber R$ 1.650 a partir de fevereiro daquele ano.
O secretário de Esportes de Curral de Cima, Rodrigo Ribeiro conseguiu tirar dois empréstimos consignado, com prazos de 96 meses. No primeiro ele paga uma parcela de R$ 898, enquanto no segundo R$ 347. O sobrenome não é por acaso, ele é irmão do prefeito Totó Ribeiro.
A irmã do prefeito, Ana Maria Ribeiro, é servidora comissionada da Educação de Curral de Cima e foi mais uma a contrair empréstimo consignado. Ela pagaria uma parcela de R$ 900, num prazo de 19 meses.
O próprio secretário de Controle Interno, Paulo Cesar Fernandes de Queiroz também adquiriu cifras com o Bradesco. Servidor comissionado, o auxiliar de Totó Ribeiro realizou um empréstimo onde pagaria R$ 2.284 em 96 parcelas ao banco.
A secretária de Finanças do município e esposa do prefeito, Maria da Conceição Aguiar Ribeiro, conhecida como Tequinha, que é responsável por pagar os empréstimos consignados à instituição bancária, também realizou pedido de valores junto ao banco. A primeira-dama é servidora efetiva do município e contraiu dois empréstimos: o primeiro com um prazo de 95 meses pagando R$ 1.763 de parcela, e o segundo no mesmo prazo com parcelas no valor de R$ 346.
Quanto rendeu e por que seria um esquema?
Há outras pessoas ligadas a Totó Ribeiro que são servidores e contraíram empréstimos consignados de forma suspeita. No total, 14 pessoas estão no rol da denúncia encaminhada para o TCE, onde somados os valores suspeitos somam mais de R$ 1,3 milhão. São exatos R$ 1.371.262, conforme consta na denúncia.
Nota-se que o valor dos empréstimos demonstram que seriam pagos com o dinheiro público, através da adição de gratificações ou horas extras nos salários dos servidores que contraiam as cifras junto ao banco.
Além disso, observa-se que os nomes que teriam contraído empréstimo são familiares, parentes ou amigos pessoais do prefeito ou secretários da Prefeitura de Curral de Cima.
Todas essas transações tomam ares suspeitos de um possível “esquemão dos empréstimos consignados” a partir da delação de um ex-servidor da Prefeitura de Curral de Cima que participava dos negócios.
Dinheiro no WhatsApp e extrato bancário
Dentre as provas que foram encaminhadas ao TCE e que o Paraíba Já teve acesso com exclusividade, há dois itens que remetem ao repasse dos valores arrecadados com empréstimos consignados para a estrutura da atual gestão da Prefeitura de Curral de Cima.
O ex-servidor teria recebido um contracheque falso para conseguir o empréstimo consignado, com um vencimento na ordem de R$ 6,7 mil. Além disso, também recebeu um declaração fraudulenta atestando os vencimentos, que foi assinada pelo secretário de Controle Interno, Paulo Queiroz.
Em 10 de julho de 2019, o ex-servidor recebeu R$ 71 mil, dos quais seriam pagos mais de R$ 80,8 mil para o banco Bradesco. O parcelamento foi feito em 96 meses, com parcelas girando em torno de R$ 1,9 mil. A autorização para o empréstimo consignado também foi feita pelo secretário Paulo Queiroz, em documento carimbado e assinado.
No mesmo 10 de julho, o ex-servidor fez um saque em espécie de R$ 45 mil. E outra transação demonstraria o elo: ele fez uma transferência para conta corrente de Paulo Queiroz no valor de R$ 15 mil.
O Tribunal de Contas do Estado já está com uma denúncia sobre esse possível esquema envolvendo empréstimos consignados. O Paraíba Já buscou o Ministério Público da Paraíba para confirmar conhecimento do caso no órgão, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.