A secretária de administração do Estado, Livânia Farias, teria recebido, por mês, propina na ordem de R$ 80 mil pago pela Cruz Vermelha, de acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate à Corrupção (Gaeco), do Ministério Público da Paraíba (MPPB). A informação consta na decisão proferida pelo desembargador Ricardo Vital de Almeida, que determinou o cumprimento de 11 mandados de busca e apreensão nesta quinta-feira (14), dentro da terceira fase da Operação Calvário.
A secretária e o marido dela, Elvis Farias, além de familiares, servidores públicos e dirigentes do Hospital de Trauma, estiveram entre os alvos da ação. As informações têm como base depoimento do ex-assessor da pasta, Leandro Nunes de Azevedo, preso na segunda etapa da operação.
Leandro Nunes disse ainda ao Ministério Público que Livânia reclamava do valor, por ser, segundo ele, aquém do combinado com o suposto chefe do desvio de proprina da Cruz Vermelha Brasileira filial Rio Grande do Sul (CVB-RS), Daniel Gomes. A secretária foi apresentada ainda como a verdadeira gestora dos contratos da instituição com o governo do Estado, que permitiu à Organização Social administrar o Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena a partir de 2011, o primeiro ano da gestão do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB).
A operação Calvário investiga uma organização criminosa responsável por desvios de recursos públicos, corrupção, lavagem de dinheiro e peculato, por meio de contratos firmados juntos às unidades de saúde da Paraíba, na ordem de R$ 1,1 bilhão.
O texto da decisão diz, com base em parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), que a comprovação da capacidade técnica da Cruz Vermelha foi feita sem observar os requisitos legais. Ressalta ainda que a Lei 9.454/2011 não foi levada em conta. Os vícios nos contratos teriam permitido as fraudes em licitação e os desvios de dinheiro público investigados pelo Ministério Público.
Um dos mandados de busca e apreensão é cumprido pelo Gaeco no bairro do Costa e Silva, em João Pessoa — Foto: Danilo Alves/TV Cabo Branco
Além de Livânia e Elvis, foram alvos dos mandados de busca e apreensão Haroldo Rivelino da Silva, Haller Renut da Silva, Gabriella Isabel da Silva Leite, Lucas Winnicius da Silva Leite, Carlos Pereira Leite Júnior (Koloraú Júnior), Maria Laura Caldas de Almeida Carneiro, Josildo de Almeida Carneiro, Saulo Ferreira Fernandes e Keydson Samuel de Sousa.
O Secretário de Estado da Comunicação, Luís Tôrres, informou à Rádio CBN que o Governo da Paraíba “reafirma a lisura e a legalidade em todos os atos administrativos” e que está à disposição para colaborar com a Justiça. Além disso, pontuou que o Governo tem a “obrigação institucional de continuar trabalhando pela Paraíba”.
Ramo familiar
O Ministério Público acusa familiares de Livânia Farias de terem ocultado patrimônio. Alguns imóveis foram citados, entre eles, uma casa comprada por R$ 400 mil em Sousa, no Sertão. Ela foi adquirida em nome de Maria Aparecida Ramos, a Aparecida Estrela, que confessou a operação em depoimento ao MPPB.
Há também salas comerciais que teriam sido registradas em nome de Elvis e de Gabriella, marido e sobrinha, respectivamente. A decisão ainda diz que Haroldo, irmão da secretária, comprou uma caminhonete e não fez o pagamento de uma parcela de R$ 60 mil. O restante acabou sendo pago por Livânia e o bem registrado em nome de Gabriella.
Há registros ainda da compra de carros para os sobrinhos, Júnior e Lucas, além de um imóvel registrado em nome de Haller. Todos os dados constam na descrição dos supostos crimes, feita na decisão que permitiu a deflagração da terceira detapa Operação Calvário, para cumprir os mandados de busca e apreensão em João Pessoa, Sousa e Rio de Janeiro.
Casa em Sousa, no Sertão da Paraíba, que teria sido comprada por Livânia Farias por R$ 400 mil — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
Outra arrecadadora
A servidora Maria Laura Caldas de Almeida Carneiro, da Procuradoria Geral do Estado, foi apontada na investigação como mais uma arrecadadora de propinas. Apesar de lotada na PGE, de acordo com Leandro Nunes, ela não trabalhava na pasta e apenas cumpria ordens de Livânia.
O delator do esquema contou que ela atuava como costureira, trabalhando em casa, e indo aos locais indicados por Livânia para receber e ocultar dinheiro. O marido dela, Josildo, era motorista exclusivo da secretária. Os recursos financeiros eram escondidos atrás do guarda-roupas. Ela atuava arrecadando propinas de outros fornecedores, mas quase nunca da Cruz Vermelha. Para esta última, a missão era de Leandro.
Durante a operação desta quinta-feira, fitas de “maços” de dinheiro, utilizadas para amarrar grandes quantias, foram encontradas no bairro Costa e Silva, em endereços de Maria Laura Caldas de Almeida Carneiro.
A reportagem da TV Cabo Branco entrou em contato com ela, durante o cumprimento dos mandados. No entanto, Maria Laura Caldas informou que não pretendia se pronunciar e preferia ficar em silêncio.
- A Operação Calvário foi deflagrada em dezembro de 2018.
- Daniel Gomes foi preso suspeito de chefiar a organização criminosa, Michelle Louzada Cardoso, e outras nove pessoas detidas preventivamente, entre eles Roberto Calmom, que estava em um hotel da orla de João Pessoa. Ele é fornecedor da Cruz Vermelha.
- A operação, realizada pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), investiga uma organização criminosa responsável pelo desvio de dinheiro público da saúde por organizações sociais.
- No centro das atenções estão contratos da Cruz Vermelha Brasileira (CVB), filial Rio Grande do Sul, e do Instituto de Psicologia Clínica, Educacional e Profissional (IPCEP). Segundo as investigações, o prejuízo aos cofres públicos pode chegar a R$ 1,1 bilhão.
- Em fevereiro de 2019 foi deflagrada a 2ª fase da Operação Calvário.
- Foi cumprido um mandado de prisão contra Leandro Nunes – que era assessor da Secretaria de Administração e foi exonerado recentemente – na cidade de Itabaiana, na Paraíba.
- Foram cumpridos mandados de prisão e de busca e apreensão nas cidades de João Pessoa e Conde, na Paraíba, e também no Rio de Janeiro.
- Conforme mostrado em reportagem do Fantástico, Leandro Nunes, ex-assessor de Livânia Farias, foi flagrado recebendo um repasse de dinheiro dentro de uma caixa de vinho que seria usado para pagar fornecedores de campanha.
- A caixa foi entregue por Michele Louzzada Cardoso, que atuava juntamente com Daniel Gomes, líder da organização criminosa, conforme o Ministério Público. Desde 2016 até agora, o grupo teria desviado R$ 15 milhões pelo país.
- Leandro Nunes foi solto no início de março após um depoimento assumindo os fatos.
- Nos últimos oito anos, a Cruz Vermelha e o IPCEP receberam dos cofres públicos pouco mais de R$ 1,7 bilhão em todo o país. A Cruz Vermelha é responsável pelo Hospital de Trauma de João Pessoa desde 2011, e recebeu até setembro de 2018 mais de R$ 930 milhões.
- O IPCEP administra o Hospital Geral de Mamanguape e, de julho de 2014 até setembro de 2018, recebeu do estado mais de R$ 110 milhões. Em novembro de 2017, a organização social começou a atuar no Hospital Metropolitano Dom José Maria Pires, em Santa Rita, e, até dezembro de 2018, recebeu pouco mais de R$ 62 milhões, segundo o Ministério Público.
- A terceira fase da Operação Calvário foi deflagrada no dia 14 de março, com mandados de busca de apreensão cumpridos em João Pessoa, Sousa e Rio de Janeiro.